quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ridicularizado no Brasil, esquema com três defensores parece ser prioridade de Guardiola

Parei para ver os jogos de pré-temporada do Bayern. Sempre que posso, acompanho os jogos de pré-temporada dos clubes europeus, pois são neles que conseguimos prever a execução prática das ideias dos treinadores para seus elencos, algo nem sempre possível em jogos oficiais, e com Pep Guardiola não é diferente. Com bastante clareza, Guardiola demostrou em alguns jogos da atual preparação algo que aprimora desde a temporada passada: jogar com três defensores e um homem a mais no meio campo, causando então a superioridade numérica e posicional no setor, sua marca.

Gotze e Robinho disputam lance em amistoso (Foto: gettyimages)

Quem vê as discussões diárias na TV esportiva do Brasil sabe quão resistência tem no país a esquematização de jogo com três defensores. Logo rotulada de "retranca" e "três zagueiros", os jornalistas e comentaristas que clamam por mudanças estruturais no futebol nacional se afundam em análises rasas e tão ultrapassadas quanto vossos conhecimentos. 

Se Juan Carlos Osorio, Eduardo Baptista, Aguirre, Tite e demais técnicos do futebol nacional resolvem em algum momento jogar com linha de três defensores, a mídia quase que inteiramente se arma, como se adotar uma estratégia de jogo que te dá muitas vantagens dentro do campo fosse uma afronta. Erro total.

O que me deixa frustrado é ver cada vez menos gente boa analisando futebol. Digo, analisando, ao menos. Hoje tudo está pautado na polêmica, no clique, no atraso de pagamento do time J que gera crise. Alguns ainda se agarram no 7 a 1 pra justificar tudo, mas poucos são aqueles que se atentam ao que acontece dentro de campo, poucos conhecem ou se dedicam a estudar o jogo, que tem mudado dia após dia.

Encontro de Guardiola e Felipão. Nos pênaltis, brasileiro venceu amistoso (Foto: gettyimages)

Não surpreende a contradição de se querer elevar Guardiola como único salvador da Seleção Brasileira e criticar-se qualquer tentativa de implementação embrionária de novos conceitos de jogo e gestão de grupo dentro do território tupiniquim. Não surpreende porque para defender Guardiola muitas vezes usa-se argumentos inválidos, como tiki-taka e uma possível inspiração do seu jogo na Seleção de 82.

O tiki-taka nunca fez parte da filosofia de Guardiola, aliás, ele odeia essa expressão, segundo pessoas próximas. Guardiola sempre baseia sua ideia em superioridade no meio de campo, onde concentra seu jogo e distribui as peças. O tiki-taka é outra coisa, e as inspirações principais de jogo não vêm do futebol brasileiro, como já declarado pelo treinador. 

Lógico que tudo isso que hoje lamentavelmente tornou-se prioridade nos debates esportivos precisa ser discutido em algum momento, e não estou a dizer que deve-se ignorar, concentrar-se no jogo e só. Claro que não, até porque o ambiente futebolístico envolve muito mais do que a parte jogada da coisa. O que combato é tratar tudo no senso comum e oferecer pouco para o público que precisa quase sempre se virar sozinho se pretende entender futebol. 

A Seleção do Brasil, tão citada por mim até agora, é o maior exemplo do que digo. Culpar geração, treinadores, clubes ou imprensa de forma a caçar bruxas não resolve nada, só causa mais desunião entre setores historicamente distantes. O futebol brasileiro não pode ser tratado como uma batata quente que passa de mão em mão.

Voltando ao Bayern, foi possível enxergar nos jogos de pré-temporada que a ideia do treinador espanhol do clube é implementar e aprimorar cada vez mais a superioridade no meio em número e com intensidade. Diante do Guangzhou, da China, time comandado por Felipão (sim, justo quem), vimos duas formações diferentes, com base próxima e variação de acordo com as características das peças.

Formação do Bayern no primeiro tempo do amistoso contra time de Felipão
(Três defensores com posse, recomposição de Bernat sem a posse. Varicação de 3-4-2-1 para 4-1-4-1)
Formação do segundo tempo
(Formação base se mantém, mas com variação por causa da mudança de característica das peças)

A partida base da análise terminou em 0 a 0 e foi vencida pelos chineses nos pênaltis, mas o que podemos ler dos jogos de pré-temporada do Bayern é um futuro promissor. Guardiola vai para sua terceira temporada nos bávaros, e a pressão aumenta. As mudanças estruturais que causa no clube geram desconfiança, algo que se agrava quando os principais títulos não chegam. Pep perdeu Bastian e ganhou Vidal. De fato, ganhou. Vidal vive seu ápice técnico, e com trabalho pode atingir novamente o estágio final em termos físicos, pois as lesões de alguma forma atrapalharam-no na Juventus. A troca me parece positiva, mesmo com toda qualidade e liderança que possuía Bastian dentro do clube. 

Provável Bayern com todos disponíveis
(3-3-2-2 deve ser base do time)

Com todos disponíveis, o que é bem raro de acontecer, principalmente sabendo de todas as complicações físicas de Robben e Ribery, o Bayern que se desenha é interessante e capaz de controlar e ser objetivo em alto nível de execução.

Enquanto isso, no Brasil, seguiremos analisando peso de camisa, tradição, três zagueiros, camisa dez em escassez, geração de jogadores ruins porque não passou por clubes brasileiros, campeonatos estaduais e todas as outras singularidades primatas que alimentamos diariamente. Talvez seja hora de calar a boca e prestar atenção no jogo. É difícil analisar e discutir sobre algo que não estamos dispostos a entender. Futebol é vivo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário